quarta-feira, 1 de junho de 2011

Verbetes Para Performar. 1 - A Performance


Primeiramente vamos observar a raiz etimológica da palavra performance, advinda do verbo da língua inglesa to perform que deriva possivelmente de duas formas latinas, a primeira formare, “dar forma”, e a segunda performatus, “acabado de formar” (CINTRA & JUNIOR, 1958: 878). As possibilidades ligadas intrinsecamente a uma noção formal, introduzem consigo uma noção diferenciada de percepção do objeto artístico, não mais como uma forma conclusa a priori, mas como algo que se estrutura daquela forma no instante em que sua experiência se concretiza. Podemos acrescentar a essa possibilidade etimológica o apontamento realizado por Maria Beatriz Medeiros, que explica também o estranho subtítulo sobre esta primeira parte, referente aos estudos lingüísticos de J. L. Austin no que diz respeito aos enunciados performativos, segundo a autora:

[...] Austin identificou os enunciados constatativos do tipo: está chovendo, e enunciados performativos que “têm esta propriedade que o sentido intrínseco deles não se deixa capturar independentemente de uma ação que eles permitem realizar”. Diríamos, então, que o sentido de uma Performance tem esta propriedade que seu sentido essencial não se deixa capturar independentemente de uma ação que ela permite realizar. (MEDEIROS, 1998)

Nesse sentido, é bastante fortuito o espaço de nascimento da arte da performance, as artes visuais, tradicionalmente ligadas a uma noção que identifica simultaneamente no objeto a manifestação artística e seu registro, como na fotografia, pintura, gravura, escultura, dentre outros. Sem esquecer que também nas artes visuais podemos encontrar diversos encaminhamentos posteriores ligados diretamente a noção de performance, desde o abstracionismo americano ao neoconcretismo. Mas por que chamamos de fortuito tal espaço de surgimento? Nos explicamos: não há talvez no interior das sociedades ocidentais modernas uma noção mais clara de objeto artístico preservado do que a abrangida pelas artes visuais, e o fortuito desentranhamento[1] produzido pelo surgimento da performance nesta zona de compreensão vem a exigir uma reconfiguração radical tanto da recepção do objeto artístico quanto no que concerne a sua experiência.
O porque seria a capacidade da performance de denotação da ação, não o formado, mas o acabado de formar, o movimento processual que se observa no momento presente. Nas artes visuais a memória como compreendida no interior dos espaços dos museus, por exemplo, subsistiu sob o determinante de seu estado de preservação, do afastamento do desgaste provocado pelo contato humano e pelo tempo. A performance pelo contrário preferiu a reflexão permitida pela experiência, reorientando os encaixes mal formulados que ordenam nossas histórias sociais, nossas vidas e corpos, e permitindo o desvencilhamento da memória como “objeto preservado” para “objeto em movimento vivido”.
Desta forma a performance busca tornar palpável uma capacidade crítica de observar-se a si mesmo como responsável e componente de uma ordem compartilhada de fatores vivenciados, num campo relacional, experiencial, social, político, onde se enlaçam as trajetórias de seus compartilhadores reunidos naquele dado momento, cujo único registro possível é viver a experiência que determinada ocasião propicia, como coloca a performer Marina Abramovich.



[1] O termo desentranhamento é cunhado no interior das ciências sociais por Luiz Fernando Duarte e determina um movimento que condiz a reformulação crítica de estados naturalizados de percepção e comportamento, chamados de entranhados. O par entranhamento e desentranhamento elaboram em sua significação etimológica uma carga de mudança que não é apenas conceitual ou relacional, mas que se liga ao próprio corpo e suas práticas.

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