Fragmento ausente de
corpo presente presentificando a ausência de incentivo pra firmar a presença da
vontade afirmar existência do desejo de produzir linguagem assim meta:
linguagem como foto como fato per.formato aberto pra [re]unir expandir instigar
agregar os perform.atos
Estamos ausentes? Quem
presentifica nossas ausências? O exercício da resistência como uma ação
micropolítica. Ao invés de identidades formatadas, nosso maior desafio é termos
que constantemente transvalorar, transformar, reinventar nossos lugares de
composição, abrir fendas na couraça do instituído e traçar um território
EstÉtico de potência nômade.
Ausência. O vazio do Outro nos acomete. Privação.
Falta. Onde está você? A falta que o corpo faz. A falta que faz ao corpo o
corpo presente para o encontro. Na ausência o corpo se faz. Onde está o Outro
da Performance? No Público? Ou privado? Na ausência do Outro o corpo faz. E
produz outros modos de fazer. Façamos. Façamos.
Fazer performance como
quem questiona: O que está ausente?
Segredos? Erros, sujeiras amorais ou só percepção de mundo? Vontade-desejo
exibicionista e forte, somos resistentes-na-performance: política, heroica ou
erótica... Queremos toda ausência ao mesmo tempo: teus medos, segredos e taras
vertidas em políticaseróticasgozantes...
Conseguimos nós
performar sem estar? Nosso corpo ausente, presente está n’algum lugar. N’algum
lugar, em algum lugar, em lugar algum. Sua presença/ausência no espaço, por
vezes quebra barreiras, cria novos espaços, reterritorializa, e por outras, se
configura pelo aguçar da sua imaginação. Não estamos aqui como um todo, mas
onde fica esse lugar em que é como todo? Não fica, esse fragmento de nossa
ausência é apenas parte do incompleto ato de estar vivo e em processo.
Um fio se desgarra da
manta das verdades unilateriais.
O que é que sobra de um
fio que escapa? O rastro?
Como comparecência da ausência, aquilo que
fica ou sobra do que desapareceu ou passou.
Sem começo nem fim, ele
mesmo. No nada. No aqui. No entre. No vão. Um suspiro do berro, um pó da
sujeira, uma folha do quintal. Que linguagem falam as coisas sem visibilidade?
Será que não ver pode ser não ouvir? Estará a performance criptografada em
corpos invisíveis aos olhos brasilis?
A
performance é linguagem as avessas: é dobra, fissura, linhas de língua, línguas
de fuga. Lugar de produção desejante por si só, assume o processo como coisa em
si, deslocando o olhar da retina do mercado, assumindo um movimento
contra-capitalístico. E se hoje estamos nessa situação de negação perante
editais público-privados, espaços de arte, galerias, museus, se hoje nos
sentimos amarrados a continuar a caminhada com o mínimo de dignidade econômica
para realização de nossos projetos, é porque ainda precisamos escavar muitos
buracos, abrir outros canais, novas formas de sustentabilidade e, claro,
esgarçando a precariedade de nosso modo de vida operante, descartável, numa
indústria da estética-cosmética. Mostra-se salutar que hoje nossa tarefa ainda
é a subversão dos modos de vida. E sim, performance é ação política.
Avistar
um outro caminho para a existência; estender a presença para distâncias
remotas; trabalhar a poesia como o "texto" da performance; transitar
constantemente na fronteira, nas fronteiras; tocar um instrumento como um ator;
fazer do olhar uma profusão de caminhos; fazer arte dando aula; escrever como
ação; Fazer performance é uma suspensão do cotidiano dentro dele, ou
tornar essa suspensão um cotidiano. Um outro modo de existir. É pensar o enquanto, "ir indo", é deriva
de processo e não produção de produtos. Contentar-se com o que passa, com o
rastro. Explorar o devir das coisas, experimentar os corpos do(a)s
passantes.
Como a performance é
multilinguagem, tudo potencializa. Já ampla, se expande ainda mais, pois age
num ato sem fronteiras da criatividade do performer. Assim, o foco no corpo não
precisa do corpo, ele pode estar ausente, como no nosso caso, e ainda assim ser
performance. Mesmo ausente o corpo há uma presença sutil para que a obra possa
existir, a presença que afirma “não estou”, “não estamos”.
A arte da presença é
também a arte da ausência. Pode um corpo ausente se tornar Performance? Pode.
Pode e deve. A ausência se mostra como resistência cultural a opressão da falsa
presença negociada em mercados de editais e políticas públicas. A arte da
ausência é também a arte da presença.
Há nessa ausência
também retirância, no corpo que se retira, que se move, que trans-vê na
ausência da chuva tudo o que dorme numa superfície aparentemente vazia,
parafraseando Manoel de Barros. Ao retirar os corpos da performance, será que
ainda resta alguma presença?
E hoje, vislumbramos
que mente e corpo não estão separados, a não ser por conceitos, teorias e
principalmente por um aprendizado forte que permeia profundamente nossa
cultura. Palavras ditas, palavras faladas, palavras escritas. Mas nunca palavra
em corpo. Ou mais, palavras em corpo, vistas como se assim não fossem. Se o
corpo está ausente, obviamente a performance está ausente.
Mas utilizando a
fotografia dilatamos o tempo presente. O momento da performance é dilatado
indefinidamente no tempo – é muito diferente do que seria se fosse apenas um
registro de uma performance ao vivo. Não é somente fotografia, nem permanece
registro, é uma fresta, uma brecha, um encontro fantasmático de tantas
ausências, de tantos bodes de prato vazio na performance arte brasileira.
O fato de nós não estarmos
presentes, ou seja, estarmos ausentes no momento que o público estará nos vendo
é uma das questões que nosso corpo escolheu performar nesse encontro. O fato é
o fato, palavra usada para definir
coletivo de bodes. O fato é que há performance sendo feita no Brasil todos os
dias.
Se a performance tem
como base ontológica o corpo presente, a ação viva, esse BodeArte procura fazer
uma reversão, propondo uma performance de corpos que estão declaradamente
ausentes. Declarar ausência para investigar outros modos de ser e sobreviver
nas paisagens das artes brasileiras. Um pico de visibilidade para as ausências
da performance, o III Circuito Regional de Performance BodeArte (Corpos Ausentes)
parte da re-união de 100 performers brasileiros que agora batalham com seus
corpos em diferentes contextos atravessados por esse estranho ser que não cabe
em não estar, esse estranho estar que não cabe em não ser.
Arquitetura de duna
móvel, como as que cercam a cidade do Natal, somos monte imenso, difícil de não
se notar, mas somos também poeira fina que flutua no vento, e se move nômade
pelas casas, ruas, corpos, passando pelas por todas as brechas, poros, buracos,
fechaduras, aberturas, rasuras, do que existe, do que pode existir.
Ausências presentes em
Natal, mas também presenças ausentes em Natal, e por isso espalhadas por todo o
Brasil e além dele. Somos os bodes, os corpos que furam a precariedade e
tristeza para performar as potências alegres desse Circuito fantasmático,
zumbi, vivo e morto, vivos e mortos, vidas e mortes.
Att. Perfod. Embod.
Adriana Ayub (PE), André Bezerra (RN), Andrea Aparecida (SP), Carolina Moya (SP), Chrystine Silva (RN), Coletivo PataPalo (SP), Gilmara Oliveira (MG), Lilian Soarez (SP), Lucio Agra (SP), Marcelle Louzada (CE), Nina Caetano (MG), Raisa Inocêncio (RJ;CE), Yuri Tripodi (BA).